Não, isto não é só um álbum. "Live!" trata-se um evento histórico de proporções quase inconcebíveis de tão grandes. Sendo um dos primeiros álbuns realizados em parceria por um artista do Ocidente e um do Oriente, o que ocorre aqui é algo muito próximo de uma retratação histórica. O colonizador, representado por Baker, rende-se à beleza da manifestação cultural do colonizado, representado pelo mestre Fela Kuti e decide unir-se ao mesmo sem tentar mudar arte dele de forma alguma, pelo contrário, e sim tentar adequar a sua arte a ela, num balanço perfeito e único. Deu pra ter uma noção do calibre disso tudo ? As faixas não poderiam ser mais surpreendentes, hipnotizantes e emocionantes. Kuti escreve e canta murmúrios em sua língua nativa com uma maravilhosa voz, impondo emoção e tocando o coração não só da platéia (que canta junto na última música do álbum, num dos momentos que mais me emocionaram de tudo que já escutei) mas também do ouvinte, toca seu saxofone e o teclado com uma imponência e uma malemolência (sim, usei essa palavra) que se estende a todo o Africa'70, o que torna os arranjos épicos e dinâmicos. Ginger, por sua vez, encarna o Afrobeat na bateria, inerentemente, com um pouco de seu toque rockeiro, todavia, como mencionei, sempre prejudicar, agregando à experiência e servindo como um excelente Fusion - e as piadinhas que o Kuti faz sobre ele em alguns trechos são de fazer qualquer cidadão de um país que não seja desenvolvido ficar satisfeito e rir junto do público do show e dos instrumentais, incluindo o baterista. Por fim, eis aqui mais um LP que vai pro meu seleto panteão pessoal de "discos perfeitos". Essencial e inesquecível, fez até mesmo, junto do perfeito "Zombie", de autoria também do Fela, o Afrobeat tornar-se, de uma vez, um dos meus gêneros musicais favoritos, pois tem tudo que amo no Jazz e o que não tem lá contudo me agradaria se tivesse. Obrigatório !

Impressionante como tudo está bem encaixado aqui ! Amy tem a uma maturidade lírica e uma ironia autodepreciativa que parece ter saído diretamente de uma escritora inteligente e cheia de bagagem cultural da terceira idade com o poder de redigir poemas byronianos, com toques tarantinescos, uma pitada de noir e, ainda que mais escondida, uma doçura que lembra muito as composições saídas diretamente do famoso Edifício Brill. Narra romances, decepções, experiências traumáticas, faz metáforas/associações poderosíssimas e sempre parece estar exorcizando a si mesma, criticando os demônios que saem como Pauline Kael criticava filmes. Mark Ronson, num dos melhores trabalhos de produção dos últimos anos, pega essa característica da artista e, percebendo como seu canto pende para o charme da Black Music cinquenta e sessentista, a faz ser acompanhada por arranjos claramente inspirados no Jazz, no Soul (mais especificamente o feito pela Stax), no Funk e no Blues, criando assim um álbum de aura única, que soa como um renascimento "popularesco" e explícito de cada um desses gêneros no Mainstream enquanto retrata o afundamento e o caminho para a morte de uma jovem promissora, porém problemática. É triste e feliz, é épico e íntimo, é um renascimento e uma morte, é uma figura entrando para história e saindo da vida ao mesmo tempo... Simplesmente "Black To Black", uma ambiguidade pura, charmosa e sensual que também cheira a conhaque e vinho. Amo muito !